sábado, 8 de junho de 2013

17 - Quase Ninguém Ama

Feitos de carne, emoção e espírito,
propensos a maravilhas e horrores,
cada um de nós é um indivíduo aflito
num mundo de prazeres e dores.

Na infância solicitamos afeto
sem inibições ou preconceitos
até os adultos nos trespassarem com o espeto
das aparências e dos defeitos.

As crianças não são anjos
nem demónios. São energia pura.
Cabe a um educador os arranjos
da orquestra da ternura

para erradicar a crueldade
e promover o altruísmo,
sem a tola austeridade
do sisudo pretensiosismo.

Quase todos os adultos
não passam de almas tristes,
empenhadas em manter cultos
de fingimentos e despistes.

Somos carne, libido.
Queremos corpo, sexo.
Não tendo o coração resolvido,
perdemos todo o nexo.

Casamentos, quase todos, uma fraude.
Sustentam-nos a cópula e os filhos.
A pressão social aplaude
e o amor enterrado não traz sarilhos.

Quase ninguém ama.
Quase todos julgam.
Entusiasma‑nos o cinema
ou os quadros de uma exposição,

os corpos nus de atrizes e modelos,
as cenas de paixão e erotismo,
os gritos, orgasmos e apelos
insaciáveis de prazer e abismo;

mas sentimos dor e vergonha
se aqueles nus explícitos
do sexo que se sonha
e se vê na tela ou em escritos

tiver como protagonistas
os nossos filhos ou irmãos.
Este género de artistas
são atados de pés e mãos

pela hipocrisia da vida privada.
Condenamos a promiscuidade,
a prostituta é escorraçada
apesar de a sua atividade

deleitar as fantasias
de homens e mulheres,
cônjuges que todos os dias
são privados dos prazeres

do amor. Almas solitárias
de corpos carentes
alimentam‑se das histórias
e imagens sensuais, quentes.

Estes consumidores de arte,
erotismo ou pornografia
são os primeiros a pôr de parte
quem faz do sexo a sua via.

Inculcam‑nos na infância
a noção de pecado,
estimulam-nos a intolerância
e um horizonte fechado.

Relações conjugais podres
são pelos filhos mantidas.
Sacrifícios muito nobres,
com inúmeras feridas.

Mas os desejos estão latentes,
de amor e afeto, na alma e no corpo.
Nesta febre de indivíduos carentes
queremos quem ao despir‑se acorda um morto!

Patéticos, presos à solidão,
na procura incansável pela vital chama,
quase todos julgam,
quase ninguém ama.