terça-feira, 26 de março de 2013

15 - Afinidade

Dizes que a nossa afinidade
não é por aí além.
Bem maior é o que nos detém.
Pura ilusão, a unidade.
Não te faz sentido o que proponho.
Vês-me embriagado num sonho.

O delírio de um homem triste,
ingénuo e tolo,
um cerebrozinho num rolo
de ilusões, a acreditar que existe
um elo entre o nosso contraste,
em vez do óbvio desastre.

Que elo é este, que reclamo,
esta afinidade que reivindico
e faz de mim um homem rico?
Da árvore da vida, um ramo
floresce sem motivo
e eu pasmo, cativo.

O pólen voa. Perfume ébrio.
Aroma da alma velada,
fugaz como a fada
de um terrível mistério
que a condenou ao invisível,
largando um rasto de mel.

Só eu distingo e saboreio.
Outros seguem a máscara
sórdida que te ampara
da dor no teu seio
e impede que vaciles,
escondendo o teu calcanhar de Aquiles.

Distingo por sermos semelhantes.
Somos apaixonados, intensos,
à mesma loucura propensos
por termos corações gigantes.
Embora o escondas no teu jogo,
partilhamos o mesmo fogo.

No teu medo, só mostras fogo de artifício,
fragmentos de chamas concentradas
a iluminar as enseadas
da catarse, o pior vício.
O meu incêndio livre é para ti um choque;
nem suportas que eu te toque!

domingo, 17 de março de 2013

14 - Pessoas Iguais em Caminhos Diferentes


Somos duas pessoas iguais
que escolheram caminhos diferentes
e sem reunião. Das nossas mentes
são claros os sinais.

Escolheste o medo, a fuga e a raiva,
a catarse e a negação.
Manterás fechado o coração
para que a tua torre não caia.

Eu julgo fazer o contrário,
de peito aberto e sem defesas.
As chamas do amor terei sempre acesas
por maior que seja o calvário.

Posso ser despedaçado, feito em pó,
ou em carne picada numa poça de sangue.
Por mais que o sofrimento se alongue,
aceito‑o sem piedade nem dó.

De mim próprio não serei viúvo.
Nunca escolherei o teu luto.
Da vida sorverei todo o fruto!
Nada fará o meu horizonte turvo.

sábado, 2 de março de 2013

13 - Silêncio Branco

Um homem caminhava no silêncio branco,
libertava vapor entre os lábios gelados,
acreditava ter o coração franco
a impedir‑lhe a alma de se desfazer aos bocados.
O rasto na neve seria em breve coberto.
Sozinho e desapercebido. O rumo, incerto.

Frio, isolamento e desorientação.
O rosto sulcado pelas contrações de dor.
Agarrava‑se ao orgulho, a um espírito de missão,
à fé de o desejarem como fonte de calor,
embora só recebesse chicotadas de gelo.
Nenhuma alma ou corpo lhe lançava um apelo.

Não era objeto de desejo, nem sequer de necessidade.
Era ele quem necessitava, desejava e morria
de desgosto, paralisado, a sufocar de saudade.
O coração franco não o retirava da gélida via!
Não era o suficiente na química do desejo.
Alma desfeita, células cristalizadas. A privação do beijo.